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MARIA MARTHA REICHMANN E YARA MARTINS DE OLIVEIRA

 

Nos muitos anos em que me foi possível acompanhar a produção artística de Maria Martha Reichmann e Yara Martins de Oliveira, fui inúmeras vezes surpreendido ao identificar, nas sensíveis mutações no trabalho que realizavam, não somente um crescimento técnico nascido do acúmulo de experiência, mas a evolução espiritual e o amadurecimento de ambas como seres humanos.

 

Maria Martha vem de uma origem artística de formação basicamente figurativa, tendo transitado por uma experiência de pintura convencional que buscava sua motivação nas bucólicas paisagens dos arredores de Curitiba, onde já se podia perceber uma fagulha de inconformismo com alguns cânones acadêmicos. Aborrecida e enfarada com a falta de horizontes que a pintura que fazia então lhe propiciava, sai a artista  em busca de uma forma de expressão que corresponda mais fortemente aos seus anseios de realização pessoal. Anseios esses não limitados ao fornecimento de quadros agradáveis e de fácil digestão, destinados a abastecer um comércio oportunista, desvinculado dos reais objetivos da arte.

 

Sem admitir a exclusão de sua experiência anterior, e sem aceitar uma eventual passagem abrupta para uma nova linguagem, incompatíveis com seu temperamento, foi a artista buscar nos papéis amassados, caixas empilhadas e objetos desprezados que encontrava nos cantos de seu atelier, a motivação para a sua produção, que passa de imediato a se concentrar nos valores exclusivamente picturais, abrindo caminho para uma nova linguagem com a qual prontamente se identifica e adota. Consegue então o objetivo de reter na obra apenas suas qualidades essenciais, eliminando tudo que seja supérfluo ao diálogo com o espectador.

 

O resultado pode ser visto nesta mostra que realiza no Museu de Arte do Paraná. São telas que mostram uma pintura sem nenhuma referência objetiva, feitas sem planejamento prévio, onde sobressai uma busca de resultados na qual a harmonia de formas e de composição são regidos por valores cromáticos sutis e sedutores. As manchas de cor, grandes e pequenas, acabam assumindo uma função construtiva, ao fragmentar e dividir o espaço da tela. Produzem uma dinâmica gerada pela mancha inicial, que faz nascer uma seqüência  de outras áreas conseqüentes que se encaixam e justapõem numa verdadeira dança de formas. E as formas, para Maria Martha, são como sons que ela consegue ver.

 

Yara, cujos primeiros passos pela pintura passaram também pela motivação da paisagem curitibana, vem, entretanto, buscando há mais tempo uma linguagem não figurativa que corresponda as suas necessidades de expressão. Trabalha em grandes formatos pelos quais sente uma atração e um permanente desafio que se constituem num componente importante para chegar aos resultados por ela pretendidos. Um grande vigor expressivo e uma permanente evocação dramática podem ser identificados na pintura da artista, que alicerça seu trabalho no cuidado dispensado à matéria e nas texturas vigorosas que manipula muito bem.

Ela busca, avidamente, nestas grandes telas, criar  um clima indispensável ao seu desejo existencial primeiro, que consiste em trabalhar a sua fé, transpondo para a pintura o ato de construir, destruir e voltar a construir, que são ao seu ver a essência da própria vida.

 

As suas pinturas são intencionalmente sóbrias, como ela própria, não buscando em momento algum repetir objetos ou qualquer outro componente do nosso cotidiano. Toda a força contida em sua obra ela busca obter introduzindo discretamente, em perfeita harmonia com a pintura e a densa matéria, letras do alfabeto hebraico que se constituem em orações ancestrais que ela foi estudar e recolher para incorporar ao trabalho, introduzindo no mesmo um forte componente que lhe atribui forma e conteúdo nítidos, e uma ideologia que lhe garante o apoio para continuar pintando.

 

O resultado que pretende obter, entretanto, me parece contido na transcendência da própria gestualidade de seu fazer pictórico, do qual esses elementos gráficos antigos também fazem parte e se associam numa só coisa.

Sinto na evolução da obra de Yara que ela já não se satisfaz com os limites impostos pela tela, apesar dos grandes formatos que pinta, interessando-se, cada vez mais, em ocupar também o espaço que circunda a obra. Preocupa-se em criar elementos para ambientar as telas, estes também tratados plasticamente, indicando, desta forma, o desejo de  reforçar o conteúdo conceitual da sua proposta.

 

Finalmente, gostaria de dizer que nada entre as duas artistas parece denunciar a convivência diária no mesmo atelier e a cumplicidade resultante das longas conversas cujo tema é habitualmente as coisas do fazer pictórico e o sentido da vida e da arte.

 

Nada em comum, e tudo em comum, em duas artistas em evolução constante.

 

 

 Fernando Velloso

Artista e Crítico de Arte

 

Curitiba, dezembro de 2000.

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